BRUFE
UMA FREGUESIA COM HISTÓRIA
Há locais no Minho que merecem uma visita calma, para descobrir os cantos e recantos, onde tudo se conjuga para que, tudo, seja recordado e se volte a visitar, porque a sua grandeza e perfeição são inigualáveis. Brufe é um desse locais que merece ser descoberto com todos os seus encantos e histórias que apaixonarão os que mergulharem nas entranhas ancestrais de uma aldeia que se revelou ícone do exemplo e vontade de vida própria e resistência às contrariedades do tempo.
A freguesia de Brufe é composta por dois lugares: Brufe e Cortinhas, outrora parte integrante do concelho de Vila Garcia que era composto pelas freguesias de Brufe e Cibões, que tinha o lugar de Gilbarbedo como sede deste ex-município. Este concelho foi extinto em 1835 e as suas freguesias anexadas ao concelho de Terras de Bouro.
Menciona-se, ainda, Brufe como freguesia mesmo que hoje componha um agrupamento de freguesias resultado da reforma administrativa do início da segunda década do século XXI. Sendo esta freguesias a que menos população tem do concelho de Terras de Bouro, não deixa de ser grande em histórias e na sua história secular.
Brufe é uma freguesia de montanha, situada a meia encosta na vertente nascente/sul da Serra Amarela, que tem no seu sopé o Rio Homem e que tem como vizinho próximo a Galiza. Viajar pelo território desta freguesia será levar-nos a caminhar por trilhos de pastores, que se organizavam à vez para acompanhar a sua rês nas pastagens nas encostas da Serra Amarela ou no planalto de Mixões da Serra.
Toda a zona de pastoreio era frequentada pelo lobo ibérico que saía do seu covil onde se acoitava para atacar os indefesos animais domésticos. A quantidade de lobos existentes e o número de ataques era tão elevado que obrigou a população a construir um fojo, denominado Fojo do Lobo de Brufe, que se situa na encosta nascente da Serra Amarela. Este imóvel não tem as dimensões de outros existentes no concelho de Terras de Bouro nem o existente na freguesia de Gondomar do atual concelho de Vila Verde, era mais pequeno, mas funcionou sempre que se organizavam batias a este feroz animal. Conhecer todo os ritos associados aos fojos do lobo, será conhecer parte importante da cultura do povo residente nos lugares mais próximos destas estruturas graníticas, como cerca de 1,5 a 2 metros de altura e com capeado mais saliente para o seu interior. Visitar este espaço e imaginar a batida de batuques, de ferro nas sacholas e o alarido de quem afugentava um bicho mau será recuar muitas décadas e ver o lobo a caminhar junto ao muro, vigiado por pessoas empoleiradas nos portelos encravados no muro, assistindo ao caminhar desconfiado da fera até cair na ratoeira que lhe estava destinada e ocultada com giesta sobre o fojo ou poço onde iria cair, para depois ser vingada a malvadez que tinha feito à rês que foi dizimando durante a sua vida.
Esta freguesia tinha nos seus dois lugares cerca de uma dúzia de rebanhos de caprinos, que teriam mais de dois milhares de efetivos, contando-se no lugar de Brufe seis rebanhos com cerca de mil cabras, onde existia uma vezeira que era acompanhada diariamente por duas pessoas diferentes, como ditavam as regras das vezeiras, os proprietários dos rebanhos iam-se revezando em cada dia, passando por todos a obrigação de acompanhar os rebanhos em cada um dos dias que pastoreavam no monte. Tarefa que poderia ser da responsabilidade dos homens ou das mulheres, sendo estas quase sempre as jovens da casa, porque às mães cabia a responsabilidade da lide doméstica diária, do cultivo da horta e no apoio nos trabalhos agrícolas. Eram estas jovens, que durante o período que tinham sob a sua responsabilidade todo os rebanhos, que dedicavam algum do seu tempo à tarefa dos bordados, donde saíam alguns lenços de namorados para oferecerem ao seu amado, que quando este o aceitava era sinal de compromisso sério que mais tarde resultaria em casamento. Para além dos bordados, fiavam lã para de seguida tecerem as mantas das camas, o tecido para os aventais de costas, de frente e de cabeça usados pelas mulheres no inverno. As mulheres usavam habitualmente aventais de frente que tinham dois bolsos, tendo estes, geralmente, duas faixas de tecido diferente na parte de baixo que lhe conferiam alguma elegância. Estes aventais eram também utilizados na colheita de feijão para colocarem esta leguminosa ainda na vargem para depois de seca ser malhada e separado o feijão, onde predominava o amarelo, o miúdo e o de mistura.
Calcorreando os lugares Cortinhas e de Brufe verifica-se, ainda nos dias de hoje, a existência de bouças cercadas de muros de granito que se destinavam a colocar os rebanhos nos dias de muita chuva, de muito frio ou nos dias festivos, como nos dias de Páscoa e de Natal. Esses dias eram dias de descanso para quem acompanhava as vezeiras, não alterando a ordem de quem tinha sob a sua responsabilidade o cuidado de todo o rebanho que pertencia a vários proprietários. Nos dias de chuva as mulheres ou homens que acompanhavam o rebanho utilizavam para se protegerem da intempérie os coruchos, que abrigava da cabeça aos pés ou a croça que era composta por duas partes, uma dos ombros aos pés e outra da cabeça aos ombros, sendo sempre confecionadas de junco seco e em diversas camadas para se tornarem impermeáveis.
Em cada passo que se dá, em cada pergunta que se faz, em cada olhar direcionado e em cada pormenor, descobre-se sempre uma diferença que merece um registo, um apontamento, uma fotografia ou uma segunda visita. É assim que se vai descobrindo uma das freguesias icásticas do concelho de Terras de Bouro, onde tem de se parar quando se passa, de refrescar as mãos e a cara com a água fresca que corre no rego ou a que cai da bica da fonte. Sentir a brisa fresca, ouvir o chilrear de um pássaro, contemplar a paisagem do Vale do Homem, e deslumbrar com um olhar mais atento sobre os socalcos pendurados na vertente voltada a sul ou ainda os campos a norte que ligam os lugares de Cortinhas e Cutelo, são imagens que apenas se comtemplam com uma visita demorada e com o calcorrear das calçadas dos caminhos do contrabando ou de ligação entre lugares.
Brufe foi lugar de passagem e paragem de contrabandistas, de pessoas que vendiam para Espanha ou compravam para trazer para Portugal produtos alimentares, ferramentas para trabalhos agrícolas, ou tecidos para fabrico de roupas, por alfaiates para homem ou modistas para mulheres. Este lugar foi um dos lugares que marcaram a rota da sardinha salgada, que era levada de Portugal para Torneiros e Villameá, separados por cerca de cinco horas a pé, transportada do litoral norte de Portugal até ao limite do concelho de Vila Verde em carro de bois ou de cavalos que depois seguia para Espanha, pelos caminhos que só alguns conheciam, que tinham como lugar de paragem e de pernoita este lugar icástico de Brufe, razão porque a partir de determinada altura foi aí criado o quartel , que não era mais do que uma casa que albergou a guarda que fiscalizava e tentava combater o comércio ilícito entre os dois países vizinhos.
Percorrendo as ruelas do lugar temos em cada casa uma história que merece paragem para se conhecer de modo mais profundo quem por lá viveu e o que em determinado período conseguiu albergar. A Casa dos Freitas albergou pessoas refugiadas da II Guerra Mundial e da Guerra Civil Espanhola, a Casa do Gaio foi residência do senhor José Maria Gonçalves Gaio, endireita conhecido do concelho de Terras de Bouro e dos concelhos vizinhos que a ele recorriam todos aqueles que tinham sofrido entorses ou fraturas, que diziam ter mãos milagrosas, a Casa do Padre com a sua porta principal com almofadas em talha, em alto relevo, onde se encontravam esculpido motivos de caça, porque era um fulgurante caçador. Estas duas últimas casas situavam-se no largo do Chamado, onde existiam e continuam a existir bancos de pedra e um relógio de sol, para se sentarem quando os homens se reuniam, depois de chamados pelo som do búzio ou de um corno de vaca, para discutirem assuntos sérios do lugar. O lugar de Brufe tinha tês relógios de sol situados na fachada de três casas, em locais diferentes, garantindo aos seus habitantes o conhecimento das horas para que se orienta no tempo. Estes relógios sendo privados tinham uma função pública, porque todos eles estavam junto de caminhos públicos.
Nestas reuniões discutiam-se o início dos trabalhos agrícolas, das sementeiras, das sachadas e das colheitas, da limpeza das poças e dos regos para início das regas, das alternâncias dos tornajeiros, das vezeiras, do incumprimento de compromissos por algum dos habitantes, dos negócios com a vizinha Espanha, de transporte de animais para venda nas Feiras de Covas ou de Pico de Regalados e de outros assuntos de interesse para a vida coletivas dos vizinhos. Discutiam-se as reparações e utilização dos moinhos coletivos, porque nem todos os doze moinhos eram de um único proprietário, sendo alguns de uso partilhado. Ao visitar os moinhos, que se localizam no ribeiro de Brufe, deve reparar-se nos pormenores dos grafitos ou símbolos dos moleiros que se encontram nas ombreiras e padieiras das portas de entrada. Símbolos semelhantes também se encontram em algumas casa e cortes do lugar. Os moleiros exorcizavam os seus espaços, com símbolos gravados no granito na entrada principal do seu moinho como medida protetora contra o mau olhado de vizinhos e de forasteiros. No acesso entre cada um dos moinhos, na estação de outono, encontram-se flores lilases com estames amarelos, conhecidas como quita-merendas ou popularmente conhecidas em Brufe como tolhe-merendas. A farinha moída em cada um dos moinhos de rodízio era transportada geralmente pelas mulheres, à cabeça, em foles de pele de cabra. A população desta freguesia como de outras freguesias de montanha utilizavam também as pelas de cabra para os odres que serviam para transportar o vinho que compravam a agricultores, fossem eles residentes no lugar ou em lugares vizinhos. A população de Brufe habitualmente comprava vinho a agricultores do lugar de Vilarinho da Furna, produzindo-se neste lugar “vinho americano” ou vinho de uva “jaqué”.
Fala-se dos barbeitos e de quem ajudaria nessa tarefa singular, que exigia apoio de vários vizinhos, tanto no corte da giesta como na preparação da terra para a sementeira do centeio. Após esta tarefa de corte da giesta e produção de centeio, num único ano, repetia-se a mesma tarefa volvidos treze ou quinze anos, crescendo a giesta que seria podada para garantir o bom crescimento até voltar a ser cortada. A giesta tinha uma grande importância para a economia doméstica porque proporcionava ramos para as vassouras, permitia construir os abanadores, dava troncos e canos de ramos para os canastros de varas e ramos para a cobertura, construíam-se as caniças dos carros de bois e cancelas das bouças, proporcionavam a construção de vedação de alguns campos, garantiam lenha para a lareira conjuntamente com os ramos da poda dos carvalhos, tinha uma bastidão de utilizações que lhe davam um valor inestimável. O valor do cultivo tão espaçado permitia uma múltipla utilização à idade bem adulta, razão para este espaçamento de tempo. Os barbeitos era uma tradição enraizada na população de muitas aldeias de montanha.
Falarmos de Brufe será também falarmos de muitos lugares vizinhos das encostas da Serra Amarela, onde predominava a vivência comunitária. Todos estes lugares tinham, desde D. Dinis, a obrigação de defender a linha de fronteira com a Espanha entre o cume desta Serra até à Portela do Homem, ficando para isso os mancebos dispensados do cumprimento do serviço militar. A população, para dar maiores garantias de sucesso nessa defesa da fronteira, contruiu uma trincheira garantindo melhores condições de defesa, podendo, ainda hoje, observar-se essa construção demonstrando a capacidade de organização desta população e a sua vontade em honrar os compromissos assumidos com a Casa Real portuguesa.
Brufe nos últimos trinta anos foi beneficiando de múltiplos apoios financeiros, através da ATAHCA (LEADER, CENTRO RURAL e AGRIS), permitindo a recuperação de muitas das suas casas, do seu património cultural construído, de transformação de casas em unidades de Turismo no Espaço Rural, oferecendo alojamento de qualidade aos turistas. Para quem visita Brufe poderá degustar os produtos e sabores da gastronomia da região num restaurante de referência e poderá, ainda, percorrer o trilho das Casarotas ou o da Sardinha Salgada, usufruindo das belezas paisagísticas de uma encosta que nos obriga a impregnar em todo o seu interior para sentirmos todos os sentidos que nos despertam prazeres que este território nos oferece.
Vale a pena descobrir os cantos e recantos, os mitos e ritos, as lendas, as vivências, os usos e costumes, os cheiros e sons típicos de cada estação, os sabores que a terra nos oferece e imaginarmo-nos mais um dos residentes.
José da Mota Alves
Presidente da ATAHCA
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